No dinâmico cenário dos mercados financeiros, práticas ilícitas continuam a desafiar reguladores e profissionais. Uma dessas práticas, que ganha cada vez mais atenção, é o shadow trading. Este conceito envolve o uso de informações privilegiadas sobre uma empresa para negociar ações de outra empresa não diretamente relacionada à informação, mas ligada economicamente à primeira. Isso pode incluir concorrentes ou parceiros comerciais.
Entendendo o Shadow Trading
De acordo com Mehta, Reeb e Zhao (2021), informações confidenciais de uma empresa podem ser igualmente relevantes para outras companhias a ela economicamente vinculadas. Esse fenômeno ocorre porque os insiders, que possuem informações não públicas, enfrentam baixas taxas de detecção e poucas penalidades, o que não os desestimula a negociar ações de empresas correlatas.
Um Caso Notável: Matthew Panuwat e a SEC
Em 2021, a Securities and Exchange Commission (SEC) dos EUA moveu uma ação contra Matthew Panuwat, acusado de praticar shadow trading. Panuwat, executivo da Medivation, soube antecipadamente da aquisição da sua empresa pela Pfizer e, minutos após receber essa informação, comprou opções de compra da Incyte, uma concorrente da Medivation. Quando a aquisição foi publicamente anunciada, as ações da Medivation subiram 20%, enquanto as da Incyte aumentaram 8%, resultando em um lucro de 107.066 dólares para Panuwat. Este caso ilustra como o uso de informações privilegiadas pode ser estendido a empresas economicamente relacionadas.
Comparação com o Insider Trading
O insider trading, conforme definido por Lucca (2005), consiste no aproveitamento de informações relevantes ainda não divulgadas ao público – privilegiadas – por administradores, acionistas principais ou outros que a elas têm acesso. Esta prática viola princípios fundamentais do sistema jurídico, como a isonomia, equidade, boa-fé objetiva e o princípio do full disclosure, conforme descrito por Carneiro e Bezerra (2017).
Casos Brasileiros de Negociação com Informações Privilegiadas
- Caso Sadia-Perdigão (2006)
Um dos casos mais emblemáticos de insider trading no Brasil envolveu a tentativa de fusão entre Sadia e Perdigão. Em 2006, executivos da Sadia compraram ações da Perdigão antes do anúncio público da proposta de fusão, beneficiando-se com a alta dos preços das ações. A CVM (Comissão de Valores Mobiliários) investigou o caso, resultando em multas e outras sanções para os envolvidos.
- Caso Tenda (2009)
Em 2009, a CVM condenou executivos da Tenda, uma construtora brasileira, por insider trading. Eles negociaram ações da companhia com base em informações privilegiadas sobre a fusão com a Gafisa, outra grande construtora. Os executivos foram multados e penalizados por usarem informações não públicas para obter ganhos indevidos.
- Caso Banco Panamericano (2010)
Em 2010, o Banco Panamericano, então controlado pelo empresário Silvio Santos, foi envolvido em um escândalo de fraude contábil e insider trading. Executivos do banco negociaram ações com base em informações privilegiadas sobre a descoberta do rombo contábil na instituição. A CVM investigou o caso e aplicou penalidades aos envolvidos.
- Caso OGX (2013)
Outro caso significativo envolveu a OGX, empresa de petróleo e gás de Eike Batista. Em 2013, executivos da empresa foram acusados de insider trading por vender ações da OGX antes do anúncio de que a empresa não alcançaria suas metas de produção de petróleo. A CVM multou Eike Batista em milhões de reais e proibiu-o de atuar como administrador de empresas listadas na bolsa.
- Caso JBS (2017)
Em 2017, a JBS esteve no centro de um escândalo de insider trading quando Joesley Batista, um dos controladores da empresa, foi acusado de negociar ações e contratos futuros de dólar com base em informações privilegiadas sobre o acordo de delação premiada que envolvia a empresa e figuras políticas de destaque. A CVM iniciou investigações e aplicou multas significativas.
Impactos no Mercado de Capitais
- Perda de Confiança do Investidor
Quando práticas de insider ou shadow trading são descobertas, a confiança dos investidores no mercado financeiro é seriamente abalada. Os investidores podem sentir que o mercado é injusto e manipulado em favor daqueles com acesso a informações privilegiadas, o que pode levar a uma diminuição da participação no mercado.
- Ineficácia do Mercado
O insider trading pode distorcer os preços dos ativos, fazendo com que eles não reflitam adequadamente todas as informações públicas disponíveis. Isso prejudica a eficiência do mercado, onde os preços devem refletir todas as informações disponíveis para que os recursos sejam alocados de forma eficaz.
- Desigualdade de Condições
O insider trading cria uma situação de desigualdade, onde aqueles com acesso a informações privilegiadas têm uma vantagem injusta sobre os investidores comuns. Isso contraria os princípios de equidade e transparência que são fundamentais para mercados financeiros justos.
- Riscos Reputacionais
Empresas e indivíduos envolvidos em casos de insider trading sofrem danos reputacionais significativos. A confiança dos investidores, parceiros de negócios e clientes pode ser comprometida, resultando em perda de negócios e dificuldades em levantar capital no futuro.
- Sanções Legais e Financeiras
As consequências legais para aqueles envolvidos em insider trading podem ser severas, incluindo multas significativas e penas de prisão. As empresas também podem enfrentar ações judiciais e multas regulatórias que podem afetar suas finanças e operações.
- Volatilidade do Mercado
A prática de insider trading pode aumentar a volatilidade do mercado. Movimentos inesperados e rápidos nos preços das ações, resultantes de negociações baseadas em informações privilegiadas, podem criar instabilidade e incerteza no mercado.
- Impacto na Alocação de Recursos
Quando os preços dos ativos não refletem as informações reais do mercado devido ao insider trading, a alocação de recursos na economia pode ser distorcida. Investimentos podem ser direcionados para empresas menos eficientes, enquanto empresas mais eficientes podem não receber o capital que necessitam.
- Desencorajamento de Novos Investidores
O conhecimento de que o insider trading é prevalente pode desencorajar novos investidores a entrar no mercado. Isso pode limitar o crescimento do mercado financeiro e a diversidade dos participantes do mercado, que são essenciais para a sua saúde e dinamismo.
Normativos
No Brasil, a prática de insider trading é expressamente vedada pelo Art. 155 da Lei 6.404/76 e pela Instrução CVM 44/21. Além de ilícito administrativo, pode constituir crime conforme o art. 27-D da Lei 6.385/76, com penas que incluem reclusão de 1 a 5 anos e multa de até três vezes o montante da vantagem ilícita obtida.
Apesar de não haver registros de casos investigados ou condenados pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) ou na justiça brasileira, o shadow trading pode ser enquadrado nos mesmos princípios e normativos que regulam o insider trading. A análise deve considerar a relevância e a confidencialidade da informação utilizada, e se a negociação foi realizada entre a obtenção da informação não pública e sua divulgação ao mercado.
Reflexões Finais
O combate a práticas como o shadow trading é fundamental para garantir a integridade e a equidade dos mercados financeiros. Reguladores e profissionais devem permanecer vigilantes e bem informados sobre as nuances dessas práticas para proteger os investidores e manter a confiança no sistema financeiro.
Na Sofia Finance estamos sempre atentos às práticas que possam comprometer a transparência e a integridade do mercado. Nossa equipe de consultoria trabalha de forma proativa para garantir que nossos clientes estejam bem informados e preparados para identificar e mitigar os riscos associados a essas atividades. Através de uma análise detalhada e do acompanhamento contínuo das regulamentações, ajudamos nossos clientes a se proteger contra as ameaças que possam impactar seus investimentos e operações no mercado financeiro.
Fontes:
- TADIELLO, Guilherme. Construindo as bases da regulação financeira moderna no Brasil. Rio de Janeiro: Comissão de Valores Mobiliários, 2023.
- MEHTA, Mihir N.; REEB, David M.; ZHAO, Wanli. Shadow trading. Accounting Review, [S. l.], v. 96, n. 4, p. 367–404, 2021. DOI: 10.2308/TAR-2017-0068.
- LUCCA, Newton De. Prefácio. In: PROENÇA, José Marcelo Martins (org.). Insider Trading: Regime Jurídico do Uso de Informações Privilegiadas no Mercado de Capitais. São Paulo: Editora Quartier Latin, 2005.
- CARNEIRO, Fernanda Pereira; BEZERRA, Fernanda. Regime informacional. in: comitê consultivo de educação da comissão de valores mobiliários (org.). Direito do Mercado de Valores Mobiliários. Rio de Janeiro: CVM, 2017. p. 550–592.
- EIZIRIK, Nelson Laks. Lei das S/A Comentada V.2. São Paulo: Editora Quartier Latin do Brasil, 2011.