É comum as pessoas confundirem o resultado da balança comercial com o resultado do balanço de pagamentos. Embora ambos estejam relacionados à economia internacional, eles têm impactos distintos sobre o valor do câmbio. Continue a leitura e vou explicar detalhadamente cada um desses termos e como eles influenciam as variações do dólar na economia.
O que é o Balanço de Pagamentos?
O balanço de pagamentos é um registro contábil que resume todas as transações econômicas realizadas entre os residentes de um país e o resto do mundo durante um determinado período. Ele é dividido em duas grandes contas: a conta corrente (onde se insere a balança comercial) e a conta de capital e financeira (que inclui investimentos estrangeiros diretos, fluxos de capital de curto prazo, entre outros).
E a Balança Comercial?
A balança comercial é um dos componentes da conta corrente do balanço de pagamentos. Ela representa a diferença entre o total de exportações e importações de bens de um país. Quando um país exporta mais do que importa, temos um superávit na balança comercial. Isso indica que há mais entrada de moeda estrangeira no país, o que, em teoria, deveria fortalecer a moeda local.
Enquanto a balança comercial reflete diretamente o comércio de bens, o balanço de pagamentos dá uma visão mais ampla da economia, incluindo fluxos de capital e investimentos. Um superávit na balança comercial pode gerar uma maior oferta de dólares no mercado interno, levando à valorização da moeda local. No entanto, se o balanço de pagamentos, como um todo, estiver em déficit — por exemplo, devido a grandes saídas de capital — isso pode resultar em uma pressão para a desvalorização da moeda local.
Vale destacar que a Balança comercial faz parte de um outro grupo de contas do Balanço de Pagamentos, denominado Transações Correntes, comumente conhecida como a conta corrente do país.
Conhecendo a conta de Transações Correntes
A conta de transações correntes reflete as transações econômicas correntes de um país com o resto do mundo. Ela é crucial para entender a saúde econômica de um país, pois engloba as principais fontes de entradas e saídas de divisas. A conta de transações correntes é dividida em quatro subcontas principais:
1. Balança Comercial (Bens)
- Exportações: São as vendas de bens de um país para o exterior. Quando um país exporta mais do que importa, ele registra um superávit na balança comercial.
- Importações: São as compras de bens do exterior. Se um país importa mais do que exporta, ocorre um déficit na balança comercial.
- Saldo Comercial: A diferença entre exportações e importações. Um superávit indica que o país está vendendo mais ao exterior do que comprando, enquanto um déficit sugere o contrário.
2. Balança de Serviços
- Serviços de transporte: Inclui os serviços relacionados ao transporte de bens e pessoas entre países.
- Serviços de turismo: Registra as receitas e despesas geradas pelo turismo internacional.
- Serviços de telecomunicação e TI: Abrange serviços de telecomunicações, computação, e informação entre países.
- Outros serviços: Inclui uma variedade de outros serviços, como propriedade intelectual, serviços financeiros, e empresariais.
- Saldo de Serviços: É a diferença entre os serviços prestados ao exterior e aqueles comprados de fora. Historicamente, países tendem a ter déficits nessa conta, especialmente em serviços de turismo e propriedade intelectual.
3. Renda Primária
- Lucros e Dividendos: Refere-se ao retorno sobre investimentos estrangeiros, como lucros de empresas multinacionais e dividendos pagos a acionistas estrangeiros.
- Juros: Inclui o pagamento e recebimento de juros sobre empréstimos e títulos.
- Salários: Transferências relacionadas ao trabalho, como salários de residentes pagos por empresas estrangeiras.
- Saldo de Renda Primária: É a diferença entre as receitas e despesas com essas rendas. Em países que recebem muitos investimentos estrangeiros, essa conta pode mostrar um déficit significativo, refletindo a remessa de lucros e dividendos para o exterior.
4. Renda Secundária
- Transferências unilaterais: Inclui remessas de trabalhadores no exterior para seus países de origem, doações, ajuda internacional, e outras transferências unilaterais que não envolvem uma contrapartida.
- Saldo de Renda Secundária: A diferença entre o que o país recebe e envia nessas transferências.
Importância da Conta de Transações Correntes
O saldo da conta de transações correntes é um indicador chave da posição externa de um país. Um superávit na conta corrente indica que o país está acumulando reservas internacionais ou reduzindo sua dívida externa, enquanto um déficit pode sinalizar que o país está se endividando para financiar seu consumo e investimentos.
No entanto, um déficit em transações correntes não é necessariamente negativo. Ele pode refletir um elevado nível de investimento doméstico financiado por poupança externa, o que pode ser sustentável, desde que esses investimentos gerem crescimento econômico futuro. O importante é entender as causas do déficit e como ele está sendo financiado (por exemplo, através de entrada de capital via investimentos diretos ou empréstimos externos).
Relação com a Moeda e o Câmbio
O saldo da conta de transações correntes influencia a oferta e demanda por moeda estrangeira. Um déficit significa que o país precisa de mais moeda estrangeira para pagar por bens, serviços e rendas do que está recebendo, o que pode pressionar a moeda local para baixo. Por outro lado, um superávit geralmente aumenta a oferta de moeda estrangeira, potencialmente fortalecendo a moeda local.
Em resumo, a conta de transações correntes é uma peça fundamental para entender a dinâmica econômica e cambial de um país, refletindo a interação entre o comércio de bens e serviços, rendas, e transferências internacionais.
Como você pode observar na imagem abaixo, mesmo diante de um elevado resultado na Balança Comercial, o comportamento das outras contas que compõem as transações correntes estão em um fluxo contrário e superior, indicando um resultado deficitário para o país.


Os dados mostram que as transações correntes do balanço de pagamentos foram deficitárias em US$5,2 bilhões em julho de 2024, um aumento em relação ao déficit de US$3,6 bilhões no mesmo período de 2023. Esse déficit ampliado pode exercer uma pressão de desvalorização sobre a moeda local, mesmo em um cenário de superávit na balança comercial.
Apesar de a balança comercial de bens ter sido superavitária em US$7,1 bilhões, esse superávit não foi suficiente para compensar os déficits observados em outras subcontas da conta corrente, como o déficit de US$4,8 bilhões na conta de serviços e o déficit de US$7,8 bilhões em renda primária. Esse desequilíbrio reflete que, embora as exportações tenham gerado entrada de dólares, os gastos com serviços, pagamento de juros e remessas de lucros para o exterior criaram uma maior saída de moeda estrangeira.
Mas onde os investimentos estrangeiros impactam o balanço de pagamentos?
A conta financeira e a conta capital são duas partes distintas do balanço de pagamentos que, juntamente com a conta de transações correntes, ajudam a entender as interações econômicas de um país com o resto do mundo. Vamos explorar o que cada uma dessas contas representa e como elas se relacionam entre si e com a economia em geral.
1. Conta Financeira
A conta financeira registra os fluxos de capital que resultam de transações financeiras entre residentes e não residentes. Ela mostra como o déficit ou superávit na conta corrente está sendo financiado. A conta financeira é dividida em várias categorias:
- Investimentos Diretos (IDP): Refere-se a investimentos onde o investidor estrangeiro exerce controle ou uma influência significativa sobre a empresa no país receptor, como a criação de subsidiárias, fusões, ou aquisições.
- Investimentos em Carteira: Inclui investimentos em títulos de dívida, ações e outros instrumentos financeiros que não conferem controle sobre a entidade investida. Exemplos são a compra de ações e títulos por investidores estrangeiros.
- Derivativos Financeiros: Engloba transações envolvendo instrumentos financeiros derivados, como opções e contratos futuros, que derivam seu valor de ativos subjacentes.
- Outros Investimentos: Inclui empréstimos, depósitos bancários, créditos comerciais e outras formas de financiamento que não se enquadram nas categorias anteriores.
- Reservas Internacionais: Esta categoria abrange as reservas em moeda estrangeira mantidas pelo banco central. As variações nas reservas podem ocorrer devido a intervenções do banco central no mercado de câmbio ou outras operações.
2. Conta Capital
A conta capital é muito menor em volume comparada à conta financeira e inclui transações que envolvem a transferência de ativos de capital e de dinheiro associado a essas transferências. A conta capital é dividida em:
- Transferências de Capital: Envolve transferências unilaterais de ativos, como perdões de dívidas e doações que financiam a aquisição de ativos fixos.
- Aquisição/Disposição de Ativos Não Produzidos e Não Financeiros: Inclui transações que envolvem ativos como direitos de propriedade intelectual (marcas, patentes), licenças, e permissões.
Investimentos Diretos e Investimentos em Carteira
A entrada e saída de investimentos impactam diretamente a Conta Financeira do balanço de pagamentos. Quando há uma entrada significativa de investimentos diretos ou de portfólio no país, há uma maior oferta de dólares, o que pode levar à valorização da moeda local. Por outro lado, uma saída expressiva de capitais — por exemplo, devido a incertezas econômicas ou políticas — pode gerar uma pressão para a desvalorização da moeda local, pois aumenta a demanda por dólares.
Os ingressos líquidos de investimentos diretos no país (IDP) somaram US$7,3 bilhões em julho de 2024, levemente superiores aos US$7,1 bilhões registrados no mesmo mês de 2023. Além disso, houve ingressos líquidos de US$753 milhões em investimentos em carteira no mercado doméstico. Esses ingressos de capital ajudam a financiar o déficit em transações correntes, contribuindo para a estabilidade ou até a valorização da moeda local.
Contudo, a revisão ordinária dos lucros de investimento direto trimestrais, que elevou as despesas de lucros de investimento direto para o primeiro trimestre de 2024, impactou o IDP e aumentou o déficit em transações correntes. Isso mostra como as revisões e ajustes de dados podem alterar a percepção do fluxo de capitais e, consequentemente, influenciar a taxa de câmbio.
Reservas Internacionais como Amortecedor
As reservas internacionais aumentaram em US$5,5 bilhões em julho de 2024, alcançando US$363,3 bilhões. Esse crescimento nas reservas ajuda a mitigar pressões de desvalorização sobre a moeda local, oferecendo um “colchão” contra choques externos e variações abruptas no fluxo de capitais.
Conclusão
Mesmo com uma balança comercial superavitária, o aumento no déficit das transações correntes e as revisões dos lucros de investimento direto destacam a complexidade do balanço de pagamentos e seu impacto no câmbio. A entrada de capital via IDP e investimentos em carteira ajuda a contrabalançar o déficit em transações correntes, mas fatores como aumento nos déficits em serviços e renda primária continuam a exercer pressão sobre a moeda local, explicando a valorização do dólar. As reservas internacionais oferecem alguma estabilidade, mas a dinâmica do balanço de pagamentos revela que o valor do câmbio é influenciado por uma combinação de fatores além do simples saldo da balança comercial.